A gaveta de Talese

Por Fred Linardi

O que guarda uma gaveta de textos de um escritor? Ideias soltas, trechos a serem desenvolvidos, textos prontos mas considerados imaturos? No caso de um jornalista escritor como Gay Talese, são histórias de pessoas e lugares reais que por muitos motivos não foram às páginas de livros e revistas. Até que ele resolveu mudar esse destino, abrir seus arquivos considerados inapropriados para a divulgação e contar a história daquelas histórias.

Talese se autodenomina como ‘escritor da vida real’, de ‘narrativas de não-ficção’ ou de ‘romance de não-ficção’. Escreveu meia-dúzia de best-sellers, e cada um sobre um tema que partiu de um grande interesse pessoal, a partir de estafantes pesquisas, inúmeras entrevistas e, tão importante quanto isso tudo, a vivência. Esses três ingredientes são aqueles que marcam o resultado do seu trabalho: grandes reportagens que só cabem em livros. Um dos expoentes do Jornalismo Literário (termo este que o próprio Talese não usa, mas que resume aqueles outros que iniciam este parágrafo), este autor é incansável.

Antes de prosseguir relembro que textos para revistas também fazem parte de sua bibliografia. Quem nunca ouviu falar no perfil Frank Sinatra está resfriado, publicado pela primeira vez na Squire? Não me arrisco quando digo que este seria o modelo de bom texto a ser escrito por um escritor da realidade… se na literatura houvesse modelos prontos de fato.

Mas o escritor norte-americano, descendente de imigrantes do extremo sul da Itália, também se considera lento e prolixo. Um terror para seus editores de livros, que podem aguardar uma década apenas para terem um resumo do que será o seu próximo livro. Foi assim com Honrados e mafioso (edição esgotada no Brasil) e também com a Mulher do próximo (Cia das Letras). E foi assim com as histórias que nem ao menos se tornaram tema de um livro, mas que não por isso deixaram de ser um incansável motivo para as incursões de Talese entre diferentes ambientes e realidades para encontrar uma história que fosse digna de ser sugerida como tema de livro a seus pacientes editores.

Mas e quando se tem boas histórias, bons personagens e, junto deles, o bom senso de julgar que, por mais que isso tudo seja muito precioso para ficar abandonado na gaveta, elas não sustentariam um livro?

A resposta está em Vida de escritor, livro em que Talese conta sobre suas matérias que caíram, em meio a uma vida levada por nada mais do que incertezas ao cobrir assuntos para jornais, pensando em como sustentá-los para maiores vôos narrativos.

Vida de escritor é uma sucessão de fracassos, não por conter histórias que: 1) não viraram livros; 2) não foram aceitas pelos editores do New York Times ou pela editora da revista New Yorker, Tina Brown (Talese nunca teve ao menos um dos seus textos publicados pela revista). Os fracassos também estão nas próprias histórias: a jogadora de futebol chinesa que erra um pênalti na final da Copa no jogo contra o time americano; a mulher que, diante de um casamento que se tornou insuportável, cortou o pênis do marido enquanto ele dormia; um prédio em uma área nobre de Nova York onde nenhum restaurante consegue manter suas portas abertas, numa sequência de falências; uma mulher branca que marca um casamento com seu noivo negro na cidade mais racista dos EUA. Em alguns casos, as cartas de recusas dos editores são transcritas no livro.

Entre essas histórias, o fio que conduz é o próprio trabalho de Talese. Ele encontra nisso tudo uma maneira de justificar sua própria trajetória de repórter que gasta sola de sapato, aliada ao seu passado como filho de um alfaiate apaixonado por restaurantes, e uma mãe que o fez despertar o gosto por ouvir histórias dos clientes que passavam aos montes na loja. Sabe como contar um pouco sobre sua história familiar, mas o cerne do livro está mesmo no ofício de um escritor à procura de histórias que, de uma hora para outra, deixam de ser pautas rejeitadas e se tornam o grande pilar que sustenta os casos contados neste livro biográfico.